O canal4 da AFIET - Associação para a Formação e Investigação em Educação e Trabalho, promovida pela Federação Nacional da Educação (FNE) e pelos seus Sindicatos membros, realizou em 30 de setembro o terceiro webinar temático sobre o  “O Teletrabalho no Direito: os Direitos no Teletrabalho”, desta feita intitulado “Teletrabalho na Contratação Coletiva: onde estamos, para onde devemos ir”, em que ficou provado que o movimento sindical está atento e vigilante relativamente às questões do teletrabalho e que urge levar a cabo uma rápida regulamentação para um futuro que pode estar bem mais próximo, do que pensávamos há alguns meses.

Reconhecidos especialistas no campo profissional e sindical, Carlos Alves, Secretário Executivo da UGT (responsável pelo Gabinete jurídico da central) e Elizabeth Barreiros, Presidente do Secretariado da Ala de Quadros da UGT, foram os oradores convidados desta iniciativa que contou com a moderação de José Cordeiro, Secretário-Geral Adjunto da UGT (União Geral de Trabalhadores) e de Joaquim Santos, membro avocado da Comissão Executiva da FNE.

José Cordeiro que foi quem lançou o debate, procurando saber juntos dos oradores convidados se a visão sindical permite a existência de várias linhas que permitam a regulação do teletrabalho durante e pós a pandemia de COVID-19, realçando também o propósito positivo de ações como este webinar para a formação de sindicalistas mais preparados para a negociação desta matéria.

"Esta regulação é já a pensar no futuro"

Carlos Alves respondeu a este desafio com o exemplo espanhol, também referido por José Cordeiro na sua introdução, e que consiste na apreciação das modificações e adaptações que estão a ser feitas, não só no país vizinho como também noutros países europeus, na regulação do trabalho à distância, que nós "não podemos ignorar". Para o responsável pelo gabinete jurídico da UGT "existem três grupos de pessoas nesta questão do teletrabalho: os defensores incondicionais do teletrabalho; os detratores, que apenas apontam desvantagens; e o movimento sindical, que procura vantagens e formas de regular pela negociação coletiva e leis", acrescentando ainda que "há algo relevante que merece reflexão, porque é diferente regular algo para 2-3 meses, como aconteceu agora no confinamento, ou numa regulação a pensar em vários anos".

Também por isso, Carlos Alves deixou o alerta de que "é preciso desmontar esta ideia de que esta situação é toda nova. Não é. Já existiam setores laborais que usavam teletrabalho. Aliás, desde 2003 que Portugal tem regulação para trabalho fora do escritório. O problema atual é que o teletrabalho tem muitas ramificações e o objetivo é que o trabalhador deve ser equiparado ao trabalhador que está num local de trabalho da empresa".

No entender deste especialista em legislação laboral "não podemos esquecer que nem todos os trabalhadores podem fazer teletrabalho. Mas, claramente, há oportunidade de ir mais longe na negociação coletiva e resolver aquilo que se deve regular como voluntariedade do teletrabalho, as condições de acesso, o direito de reversão e muito importante, as questões da segurança e saúde no trabalho onde se inclui a situação dos seguros cobrirem fora das instalações da empresa, assim como o material que deve ser proporcionado ao trabalhador para cumprir o teletrabalho", defendendo ainda que o combate ao isolamento é um desafio também para a negociação coletiva, com a progressão e a formação a terem papel de relevo nesta questão, pois "é fundamental manter-se, mesmo que de outra forma, o acesso à formação. E os sindicatos devem manter uma ligação grande com as empresas, de forma a perceberem a dimensão total de trabalhadores em teletrabalho nos vários setores".

Carlos Alves não vê necessidade de urgência na regulação do teletrabalho. Para o responsável pelo Gabinete Jurídico da UGT "não sabemos o que aí vem. Temos de evitar que a negociação coletiva se adiante para um quadro que depois pode ser diferente". Acima de tudo, é preciso responder aos anseios dos trabalhadores, que estão sempre a evoluir, e preparar o contexto de crise que aí vem e que vai colocar ao teletrabalho desafios acrescidos, pois "é preciso uma discussão de fundo sobre os trabalhadores do futuro. O teletrabalho parcial pode ser um caminho. Temos de regular, mas também modelar e permitir que a negociação coletiva siga esse caminho de forma equilibrada para todos".

"Esta crise abriu uma porta que dificilmente vamos fechar"

Por seu lado, Elisabeth Barreiros concordou com muito do que foi dito na intervenção de Carlos Alves e abriu a sua intervenção alertando para as dificuldades sentidas pelas mães com crianças em teletrabalho, assim como para a necessidade de acautelar o direito a desligar. E por isso, para esta dirigente de Quadros a nível europeu, "regulação é a palavra-chave para a questão do teletrabalho, mas não só. Os trabalhadores continuam a ser controlados como operários fabris, com horários fixos e uma cultura onde o que interessa é cumprir objetivos". Ora, este é um desafio para os patrões. Mas, segundo a dirigente do SBSI, alguns setores já apresentaram propostas onde se define o período de tempo de trabalho, os meios a usar ou a manutenção de subsídios.

E por falar em desafios, Elisabeth Barreiros referiu que os sindicatos têm de se preparar para os novos perfis da classe trabalhadora "percebendo que temos de entender que o teletrabalho tem perigos e entender se o futuro passa pela perda de identidade das empresas e por uma maior proximidade entre trabalhadores, empresas e sindicatos". Para a oradora convidada esta é a maior mudança organizacional dos últimos anos "e é muito perigoso se os sindicatos não são consultados, nem participam em todo este processo futuro". Quanto à questão do direito a desligar "este devia ser o 'cavalo de batalha' do teletrabalho. São muito poucas as empresas que incluem cláusulas que permitam desligar a partir de determinada hora. Aqui o setor bancário tem sido pioneiro", afirmou.

Já na fase aberta a perguntas dos participantes, Elisabeth Barreiros relembrou, a propósito de uma questão sobre a negociação coletiva não ter inovação, que é complicado enquadrar todas as situações possíveis: "por exemplo, um trabalhador pode preferir trabalhar de noite. Mas isso implica ter ligação com outros colegas que podem preferir trabalhar de dia e não estar disponível naquele horário. Como gerir isto? É necessário tentar enquadrar vontades na negociação coletiva, mas vamos sempre ter uns contra a vontade de outros".

 

Já Carlos Alves defendeu a ideia de que neste caso não pode ser dada ao trabalhador a possibilidade de escolher horário de trabalho, sob pena de não ir ao encontro de horários de colegas. Tudo isto tem de ter uma reflexão ainda muito grande. Noutras questões, como relativamente a acidentes de trabalho e doenças profissionais no regime de teletrabalho, o especialista jurídico da UGT assumiu que é um assunto que passa mais pela relação entre seguradoras e empresas. Mas que é preciso começar também a pensar sobre isso. Daí defender que "é preciso mais criatividade. O papel principal será sempre da negociação coletiva, mas é preciso um trabalho de fundo para enquadrar neste regime os trabalhadores de vários setores diferentes, com necessidades e características diferentes e até trazer alguns desses trabalhadores desta nova geração para o meio sindical, para que a regulação conte com contributos mais inovadores", sugeriu.

Em suma, este webinar permitiu concluir que a regulação que se pretende já atinge o pós pandemia, pois muita coisa vai mudar nos próximos meses/anos. Há a certeza de que o movimento sindical não pode "perder este comboio" e que têm um papel fundamental na legislação que é necessário adaptar. Os sindicatos estão atentos e procuram neste período as melhores respostas para as várias questões que precisam de regulação e que a pandemia acentuou no teletrabalho.