Maria Helena André, actual directora da ACTRAV/OIT, João Proença, ex-secretário-geral da UGT, e Pedro Roque, deputado pelo PSD na Assembleia da República foram os três oradores convidados para dar o pontapé de saída na conferência da UGT dedicada à “Organização Sindical e os seus dilemas face às transformações económicas, sociais e laborais”.

A sessão abriu com a intervenção do Secretário-geral da UGT, Carlos Silva, que relembrou a necessidade de existência dos sindicatos, no presente e num futuro incerto, com alterações às tradicionais relações de trabalho, para as quais a negociação colectiva e a concertação social têm de ter papeis determinantes. O líder da UGT desafiou os convidados a relembrarem às novas gerações, as circunstâncias que levaram ao nascimento da UGT, a uma análise do actual momento sindical e aos desafios com que as organizações se depararão num futuro muito próximo.

 

“A UGT é a campeã na promoção do diálogo social em Portugal”

A primeira convidada, Maria Helena André, em videoconferência, lançou um alerta aos sindicatos para os desafios que se avizinham e para os quais as organizações devem ser inovadoras e criativas, porque não existirá um regresso “a janeiro de 2020”. A directora da ACTRAV fez uma breve reflexão sobre o actual quadro do mercado de trabalho e das relações laborais, recordando que no actual contexto, os mercados de trabalho protegem cada vez menos, existe uma reduzida cobertura da negociação colectiva, uma representatividade sindical cada vez mais baixa e surgem novos modelos de negócios, com as plataformas digitais e a economia digital. Para a convidada todas estas questões dividem e tornam a prática tradicional sindical completamente diferente.  

Perante uma nova realidade, o impacto da crise pandémica e as suas consequências, Helena André alerta para as sobrecargas que a crise trará aos vários sectores da economia, aos sistemas de saúde, às finanças públicas e aos rendimentos dos trabalhadores, com públicos, como as mulheres, os jovens e os trabalhadores atípicos a serem os mais vulneráveis e para os quais os devem ser direccionadas as políticas que surgirem no período de reconstrução pós-pandémico.

Para isso, existem algumas questões que devem ser colocadas aos sindicatos, designadamente como podem as organizações “reconstruir as nossas economias de uma forma mais resiliente e mais inclusiva, colocando a equidade e a igualdade no centro dessa reconstrução.” E acrescenta, deixando mais uma questão “como podem os sindicatos desempenhar um novo papel, colocando a justiça social no centro das discussões e negociações, e as pessoas, no centro do processo de desenvolvimento”.

Em forma de resposta às perguntas, a oradora reafirma que a “principal tarefa dos sindicatos é construir, reconstruir e reformar as instituições do mercado de trabalho”. E para que tudo isso aconteça, Helena André não tem dúvidas que “o veículo fundamental para tudo isto, é o diálogo social”, no qual a UGT dá cartas há muito anos, sendo “a campeã na promoção do diálogo social em Portugal”. Mas para que a concertação não seja uma mera passagem de informação, a responsável internacional acrescenta que a o diálogo social tem de “alargar as suas agendas, inovar e trazer novos temas para a mesa das negociações. “

Os sindicatos têm de reagir a todas as mudanças transformadoras e assim aumentarem o seu papel na sociedade, nas palavras de Maria Helena André, “os sindicatos têm de estar na linha da frente para a negociação do alargamento da proteção de todas e todos os trabalhadores, independentemente dos seu vínculo laboral.” Porque não existe “mais nenhuma organização da sociedade civil, sem ser as sindicais, que possa defender a justiça social, a paz, a democracia e dar voz a todos os trabalhadores, especialmente dos mais vulneráveis”, acrescenta. E deixa, em jeito de conclusão, quatro dimensões de transição para reflexão dos sindicatos: 1 - a representação sindical; 2 – a inovação dos serviços prestados pelos sindicatos aos seus membros; 3 – a consolidação sindical, com a diversidade, atomização, as diferentes visões entre as próprias organizações; 4 – a governança interna sindical. E por último, como podem os sindicatos utilizar de forma mais promissora as novas estratégias de comunicação. 

 

“O grande desafios dos sindicatos é a dinamização sindical e o papel da central”

O moderador Carlos Moreira, Presidente da Comissão de Juventude, passou a palavra ao ex-secretário-geral da UGT, João Proença que começou a sua intervenção referindo que o problema da organização sindical é um problema do futuro e que os sindicatos podem e devem organizar-se na resposta a uma melhor defesa dos interesses dos trabalhadores.

João Proença partiu de uma breve resenha de enquadramento da história e da cultura do movimento sindical português em comparação com as restantes estruturas sindicais europeias, referindo que não existe na Europa nenhuma organização igual do ponto de vista do modelo de funcionamento e da estruturação das relações de trabalho, prosseguindo no olhar pelas organizações, deu o exemplo em termos de taxa de sindicalização “dos países do sul da europa, Portugal deve o pais com maior taxa de sindicalização”. Passando pela constituição da UGT e as lutas pós 25 de Abril e o modelo de sindicatos, o antigo líder da UGT fez referência à constituição das Uniões, como estruturas autónomas, a par de uma estratégia de fortalecimento das federações, como passos importantes na criação de uma nova dinamização sindical.

Sendo a criação das uniões uma conquista, houve também derrotas, nomeadamente a tentativa de criação de uma rede de delegados nacionais e de estruturas sindicais ao nível das empresas, UGT empresas, referiu João Proença.

Para o antigo dirigente sindical, o grande desafio dos sindicatos é a dinamização da sindicalização e o papel da central nesta questão. Perante um mundo do trabalho em constante evolução e com a introdução de novas formas de relações de trabalho, a resposta poderá estar, na opinião de João Proença, na criação de dinâmicas regionais de sindicalização e no apoio à formação de quadros sindicais, exclusivamente dedicados à angariação de novos sócios.

 

“UGT teve uma atitude responsável, patriótica e histórica”

Já o antigo vice-secretário-geral da UGT e actual deputado, Pedro Roque, durante uma breve intervenção referiu o seu percurso sindical e destacou o importante papel da UGT, com uma “atitude responsável, patriótica e histórica”, na assinatura do acordo tripartido durante o período de resgate financeiro a Portugal, que levou à manutenção da paz social.

Pedro Roque deixou algumas dicas para o futuro e de como os sindicatos terão de se adaptar a um novo quadro de regulação do teletrabalho, das plataformas digitais e da constante precarização das relações de trabalho. O teletrabalho é matéria, que no entender do deputado, deve ser primeiramente negociada na concertação social. “O debate sobre o teletrabalho deve ser feito de forma tranquila, sem pressas, deixando espaço para a negociação colectiva”. Além disso, os trabalhadores das plataformas e a contínua precarização das relações de trabalho, terá de ter uma resposta por parte das organizações sindicais, sob pena de o seu papel ser secundarizado, advertiu.

Novas estratégias sindicais

O debate prosseguiu durante o período da tarde, com um painel representado por vários presidentes e secretários-gerais que abordaram as várias estratégias sindicais sectoriais. Com a moderação do Secretário-geral Adjunto, Sérgio Monte, estiveram presentes, o Presidente do Mais Sindicato, António Fonseca, a Secretária-geral do SINDITE, Dina Carvalho, o Secretários-gerais do SINTAP e do SINDEL, José Abraão e Rui Miranda, respetivamente, e em videoconferência, o Secretário-geral da FNE, João Dias da Silva.

Numa breve introdução, Sérgio Monte, voltou a reforçar a posição da UGT relativa ao teletrabalho, esclarecendo que os trabalhadores neste regime devem ser ter direito ao pagamento do subsídio de refeição, delegando as restantes questões, relativas à discussão e negociação deste regime, para a negociação colectiva. Nas restantes intervenções, os dirigentes sindicais fizeram uma breve apresentação dos diferentes sectores e das circunstâncias que determinam a actuação dos sindicatos, com propostas de resposta aos novos desafios que se lançam às organizações sindicais.

O encerramento desta conferência esteve a cargo da Presidente da UGT, Lucinda Dâmaso, que no seu discurso manifestou o orgulho no passado da UGT que levou à constituição de uma grande organização, que tem sido um forte pilar na construção diária e na consolidação da democracia.  Terminou com a ideia de que “temos de ter uma UGT e sindicatos diferentes para uma resposta aos novos temas do futuro”.