A conferência “Situação e perspetivas da negociação coletiva” realizou-se no dia 22 de abril, no CNEMA - Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas, em Santarém, naquele que viria a ser palco do 14.º Congresso da UGT.

Carlos Silva deu o pontapé de saída afirmando que a temática da conferência é essencial para a UGT e para o movimento sindical. “Os sindicatos existem para defender os trabalhadores, mas o acervo de direitos que os regimes democráticos têm assente no que é a participação do movimento sindical só faz sentido se existir negociação coletiva”.

Falando ainda na qualidade de secretário-geral, Carlos Silva explicou ser necessário criar novas dinâmicas, deixando recados ao Governo: “Não pode fazer da maioria absoluta um poder absoluto. Tem de investir no diálogo, na negociação, de insistir no compromisso, no encontro de soluções para os trabalhadores e para o País. Isso faz-se através da negociação. Não é por nós que a negociação coletiva não avança”.

O primeiro painel teve como tema a “Situação atual da negociação coletiva em Portugal” e foi moderado por Soraia Duarte, Secretária Nacional da UGT. 

Paulo Pedroso, docente do ISCTE-IUL, explicou que o recuo na sindicalização não é um fenómeno exclusivamente português e que as dificuldades da negociação coletiva são uma tendência das economias avançadas. “Há nos últimos 30 anos uma ofensiva sobre os mercados de trabalho que tem uma componente global de desregulação e de individualização das relações de trabalho”.

Para Paulo Pedroso, a crise financeira teve impacto nas relações de trabalho e na negociação coletiva que não desapareceram nos anos seguintes.

O antigo ministro do Trabalho e da Solidariedade referiu que o coração da contratação coletiva continua a estar muito ligado às tabelas salariais. “Um dos efeitos negativos das dificuldades da contratação coletiva em Portugal foi que os governos, com o apoio dos parceiros, valorizaram significativamente o salário mínimo, mas não houve um efeito de arrastamento sobre remunerações médias e medianas. É uma fragilidade maior do que a taxa de cobertura. A contratação coletiva está a perder a sua eficácia naquela que é historicamente a sua missão que é a de combater a desigualdade salarial”.

José Silva Peneda, outro dos oradores convidados, é da opinião que o diálogo, a contratação coletiva e a concertação social são valores modernos de uma sociedade democrática porque são “o entendimento sobre o modo de realizar objetivos comuns”.

O antigo presidente do Conselho Económico e Social relevou o papel de sindicatos e entidades patronais, mas deixou o aviso que isso, por si só, não chega. “O mundo é cada vez mais complexo e fragmentado. O poder político tem de antecipar os interesses dos diferentes grupos da sociedade. Um sistema de concertação social que funcione de forma estruturada é um contributo muito importante para a redinamização da própria contratação coletiva, desde logo pela imagem de credibilidade transmitida para a opinião pública”.

Silva Peneda explicou também que existe uma enorme mudança na forma como o valor económico é criado, com novos modelos de negócio, abertura a mercados e novas formas de comércio. “Seguramente que esta evolução vai dar oportunidades de novos empregos e aumentos de produtividade, mas há também o risco de mais desemprego, desigualdades salariais e repercussões sociais. Há que pensar em novas formas de regulamentação. Uma maior diversidade de contratos de trabalho, que vai ter consequências a nível do diálogo social e da contratação coletiva”.

Silva Peneda refutou a teoria de que um aumento de salários generalizado pode provocar uma espiral inflacionista. “A ser seguido este receio perdem as empresas, porque se não houver aumentos salariais vai haver menos consumo e os custos de produção vão aumentar; e perdem os trabalhadores porque vão sentir na pele a perda do poder de compra”.

João Dias da Silva começou a sua intervenção com um lamento: “Quando a negociação sobre o aumento salarial intercalar deste ano termina com os 0,9% que já constavam do O.E. anterior é o sinal claro de uma determinada forma de fazer a negociação”.

Para o secretário-geral da Federação Nacional da Educação (FNE), 2021 foi um ano marcado pela ausência de negociação coletiva na Administração Pública. “Já vem de anos o hábito de transformar os processos de negociação numa espécie de procedimentos pró-forma através dos quais na realidade nada se negoceia e acorda”, referindo que esta é uma aprendizagem a ser feita pela Administração Pública no sentido de adquirir hábitos e comportamentos que estão inscritos na lei. “Ainda não houve reconhecimento desse caminho de compromisso que é essencial em termos de paz social”.

João Dias da Silva é da opinião que o esforço dos sindicatos na construção de contratos coletivos deve ser reconhecido. “Hoje é extremamente significativo para os trabalhadores verificarem que há na negociação coletiva um ganho na adesão que tem a ver com as condições em que se exerce a saúde, segurança, preservação das condições de vida pessoal e conciliação com a vida familiar. São fatores que temos de introduzir cada vez mais na negociação coletiva como fatores de atratividade”, concluiu.

O último orador a intervir durante a manhã foi Ricardo Bernardes, subdiretor-geral da Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho, que explicou as competências da DGERT na apreciação final de vários IRCT´s e na mediação da negociação de convenções coletivas.

Socorrendo-se de alguns dados, Ricardo Bernardes referiu que após um período de perda de dinamismo, muito por culpa da Covid-19, assistiu-se, num período recente, a uma recuperação progressiva e sustentada da negociação coletiva, tanto no número de convenções publicadas como na sua cobertura.

Ricardo Bernardes deixou também alguns desafios futuros para dinamizar a negociação coletiva, nomeadamente relacionados com a economia digital e com o alargamento da cobertura a outras categorias de trabalhadores, como trabalhadores em regime outsourcing.

A segunda parte da conferência realizou-se durante a tarde e abordou as “Perspetivas de futuro sobre a negociação coletiva na Europa”, um debate moderado pelo secretário-geral adjunto da central sindical, Sérgio Monte.

 

Oliver Röpke foi o primeiro orador e começou por afirmar que a negociação coletiva é o ADN dos sindicatos e abordando as consequências da guerra na Ucrânia explicou que há países em que os direitos humanos não são respeitados e que os direitos dos sindicatos e dos parceiros são negligenciados.

O presidente do Grupo II dos Trabalhadores do Comité Económico e Social Europeu (CESE) sublinhou a importância deste organismo como ponte entre a sociedade civil e as instituições em Bruxelas. “A negociação coletiva é um dos principais direitos fundamentais no trabalho e está no centro do diálogo social. Não se trata apenas de salários mínimos, de lutar contra a pobreza. Vai muito além disto”, aludindo também ao decréscimo das taxas de cobertura.

Para Oliver Röpke, é altura de fortalecer a negociação coletiva na Europa. “Os países com negociação coletiva e sindicatos robustos têm salários mais elevados, maior produtividade e taxas de desemprego menores. Tudo isto indica claramente que a negociação coletiva é o grande benefício”, afirmou.

Já Esther Lynch reforçou a ideia de que a negociação coletiva na Europa tem de passar por colocar maior controlo nas mãos dos trabalhadores, dando o exemplo da semana de quatro dias de trabalho para que se possa receber o mesmo salário, com menos horas de trabalho e maior produtividade.

A secretária-geral adjunta da Confederação Europeia de Sindicatos (ETUC/CES) é da opinião de que, na pós-pandemia, deve haver uma reavaliação do trabalho que é feito predominantemente por mulheres. “Estamos a falar de cuidadoras, funcionárias da limpeza, de empregos que estavam disfarçados como não qualificados. Falamos de trabalhos essenciais e há uma necessidade efetiva de reavaliar o valor desse trabalho”.

A sindicalista alertou também para a problemática da privacidade e da vigilância no local de trabalho. “Tantos trabalhadores que são monitorizados ao segundo diariamente, não há um único momento que possam descansar. Temos de colocar os sindicatos a perceber o que está a ser monitorizado e impedir a invasão de privacidade dos nossos trabalhadores”.

Por seu turno, Maria Helena André confessou que é difícil para os sindicatos conseguirem tudo a que se propuserem, mas têm de estar presentes e preparados para influenciar a via que a Europa tem de seguir. “Hoje vejo os desafios europeus muito mais integrados naquilo que é a sua influência no mundo. A Europa continua a ser um modelo muito importante e o exemplo que temos da Diretiva do Salário Mínimo é um modelo importante porque coloca no centro da discussão europeia algo que tínhamos perdido: a solidariedade”.

Alertando para os tempos complexos que se adivinham graças aos níveis de inflação, a diretora da ACTRAV - OIT exorta os sindicatos a estarem à mesa das negociações para uma negociação coletiva forte.

A antiga ministra do Trabalho e Segurança Social crê que a concertação social tem de melhorar a capacidade das empresas, mas também repartir os ganhos de forma equitativa pelos trabalhadores. “Os sindicatos não devem ter medo de debater a produtividade. Tem de ser um instrumento fundamental da negociação por parte das organizações sindicais”.

O encerramento da conferência esteve a cargo da presidente da UGT, Lucinda Dâmaso, que classificou a mesma como uma grande rampa para o Congresso do dia seguinte. “Os painéis de oradores trouxeram-nos reflexões e desafios que não nos podem deixar sossegados. Partimos com mais responsabilidades. Os trabalhadores esperam de nós trabalho e ação que lhes permita ter melhores condições de vida e de salário”.


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