A era das redes sociais teve o condão de dar uma nova dimensão ao bullying e ao discurso de ódio. Os ataques pessoais deixaram de ser feitos no recreio e passaram a estar à distância de um clique. Este é um fenómeno cada vez mais presente e urge começar a combatê-lo numa altura em que a pandemia forçou as pessoas a permanecerem em casa e “ligadas” a toda a hora. O tema esteve em discussão num webinar organizado pela Comissão de Mulheres, no passado dia 18 de Dezembro, na UGT.

 

A sessão de abertura foi feita por Lina Lopes, presidente da Comissão de Mulheres da UGT, que destacou a importância pública destas iniciativas para alertar mentalidades, revelando que também já foi vítima de cyberbullying. “Sempre que temos uma atividade ou apoiamos alguém somos vítimas de bullying. As pessoas dizem-nos coisas impressionantes, esquecem-se que temos filhos, marido e o que ouvimos é grave.”

 

Evolução

Gustavo Cardoso, professor no ISCTE, começou por relembrar que o bullying foi considerado durante muito tempo como uma prática comum na passagem para a adolescência. “Como não era um problema socialmente identificado, esteve fora da nossa atenção.”

No entanto, há algumas décadas para cá começou a lidar-se com o problema, principalmente em ambiente escolar. Segundo o docente, a partir do momento que a sociedade e as instituições passaram a encarar o bullying como um problema, houve uma maior atuação.

“Há suicídios por causa do bullying, marcas que ficam durante o período da adolescência e para o resto da vida”. Antes do surgimento das redes sociais, o bullying manifestava-se nas caixas de comentários dos jornais. Com a chegada das redes sociais houve uma alteração do paradigma de comunicação nas sociedades. “O bullying que acontecia num espaço localizado que era a escola passou a estar presente em todas as horas do dia e em todos os locais a partir da vulgarização dos telemóveis”.

 

Assumir o problema

Assumir que existe um problema é, na opinião de Gustavo Cardoso, a primeira questão no centro do debate. “Para haver soluções têm de existir problemas e alguém tem de assumi-los publicamente. Podem ser os dirigentes sindicais, os dirigentes partidários, mas também podem ser as pessoas que estão no campo do entretenimento”. Porém, este tema acarreta outro tipo de problemas. “Quem decide que um dado tipo de manifestação é condenável e que deve ser alvo de atuação? Quando entramos no campo das liberdades e garantias dos cidadãos a questão torna-se mais sensível. Tem de haver um entendimento alargado”, refere Gustavo Cardoso.

O docente explicou que agora é altura de fazer um debate sério, porque atualmente o cyberbullying está de braço dado com a prática política nas redes sociais. “Provavelmente o primeiro passo será um pacto de não-agressão entre partidos políticos, em que atuem quando houver perfis falsos, utilização de botsfake news, etc. Com a pandemia tudo o que é autêntico e falso passou para o nosso quotidiano. A questão do cyberbullying ganhou outra dimensão com o fenómeno ‘Cristina Ferreira’, que transportou uma questão da esfera pessoal para o espaço publico”, concluiu.

 

Discursos de ódio

Por seu turno, Maria João Marques referiu que foi vítima de cyberbullying muito antes de começar a escrever em jornais. “Era uma blogger que escrevia sobre política e questões sociais. Uma mulher a dizer coisas com ar muito assertivo e ficava tudo louco. A partir do momento em que o Twitter percebeu que eu era feminista, eu dizia bom dia e enlouquecia tudo”, contou.

A economista explicou que o discurso de ódio implica com a liberdade de expressão, sendo este o principal problema. “A questão é que o discurso de ódio não é liberdade de expressão, é retirar a liberdade de expressão aos alvos do discurso de ódio”.

Para Maria João Marques, o discurso de ódio e o cyberbullying são diferentes para mulheres e para minorias, em que o ódio passa por ataques pessoais. “O bullying não é feito à opinião, mas à pessoa.”

 

Desgaste

Maria João Marques deu o exemplo do Reino Unido, em que 18 mulheres não se recandidataram nos respetivos cargos porque estavam fartas do abuso, algo que não acontecia com os seus pares masculinos. “Uma das razões que afastam as mulheres da política é o abuso online.”

O efeito silenciador do bullying online provoca nas pessoas problemas relacionais, problemas de saúde mental, ansiedade, perdas de emprego e rendimentos. Na opinião de Maria João Marques, o problema tem de ser resolvido politicamente com alterações à legislação, questões penais, sugestão de criação de centros de arbitragem e responsabilização das plataformas.

Também Cristina Trony, vice-presidente da Comissão de Mulheres da UGT e membro dos Corpos Gerentes do Mais Sindicato, partilhou as mesmas preocupações, referindo que o cyberbullying é transversal a pessoas e a instituições.

“É importante que este tema seja discutido e que exista legislação que proteja as vítimas deste tipo de violência”.

 

Envolvimento

Cristina Trony também presidiu à sessão de encerramento da conferência, afirmando que este é um tema que tinha de ser trazido à discussão com uma nova abordagem para o interior dos sindicatos. A dirigente referiu a necessidade de envolvimento da classe política para um maior controlo legislativo e também das escolas para a criação de uma cultura cívica junto dos jovens.

Já Lucinda Dâmaso, presidente da UGT, explicou que as redes sociais têm a virtualidade de fazer chegar a mensagem a mais pessoas, reduzindo as distâncias, mas também tem uma vertente perversa que atinge as minorias e as mulheres que normalmente se destacam.

“O cyberbullying está com uma dimensão exponencial e tem de existir uma forma de denúncia e punição dos agressores. A Comissão de Mulheres tem feito um papel no caminho da valorização das mulheres e dará, no futuro, o seu contributo no combate a este fenómeno”, concluiu.

Texto: Pedro Gabriel | Mais Sindicato